violência doméstica - manual para os media

informar para mudar

28 março 2005

A sua opinião é importante

Quem trabalha há muitos anos na área da violência doméstica sabe como é importante o papel da Comunicação Social na construção de novas respostas a este drama humano e social.

A violência doméstica precisa de ser assunto prioritário da agenda política de Portugal. E é a Comunicação Social que pode fazer a diferença, continuando a dar espaço noticioso a este tema, dando voz a quem, por vezes, não tem voz.

Entre a lei e a vida vai uma grande distância. E o que na lei parece perfeito não chega para evitar um rasto de morte, destruição e sofrimento que a violência doméstica continua a causar nas mulheres e nos seus filhos.

Para continuarmos a desenvolver este Manual, de forma a torná-lo num instrumento de trabalho relevante sobretudo para as novas gerações de Jornalistas, precisamos da sua colaboração. Comente, critique, conte-nos os casos que marcaram a sua carreira profissional...

E divulgue este site aos seus e às suas colegas Jornalistas, que, de certeza, têm opiniões e histórias importantes que queremos conhecer e partilhar.

Até breve.

Teresa Rosmaninho

Introdução

O Manual agora apresentado destina-se a ser um auxiliar prático dos profissionais de comunicação social que contactam com o tema da violência doméstica.

Trata-se de uma ferramenta que reflecte o debate feito ao longo de muitos anos nas instâncias internacionais, em particular no seio das Nações Unidas, de onde tem saído abundante bibliografia sobre a questão, com recomendações práticas destinadas a serem levadas a cabo pelos Estados membros da ONU.

Uma das recomendações é fazer com que, através dos meios de comunicação social, se faça uma reflexão sobre o papel das mulheres nas sociedades actuais, de forma a perceber a razão por que são as principais vítimas da violência doméstica.

Elaborado com recurso à experiência e ao trabalho de muitas instituições que têm investigado esta temática, o presente manual “Violência Doméstica, Informar para Mudar” pretende dar um contributo para o trabalho dos jornalistas na área da violência doméstica, sobretudo os mais jovens.

As propostas feitas, destinadas aos diversos media, pretendem ser um pequeno passo para a mudança de uma situação atentatória dos Direitos Humanos de uma parte considerável da população de Portugal.

E porque todos podem contribuir com a sua experiência e conhecimentos, este manual fica disponível para discussão pública alargada neste site
, aguardando os contributos de todos os profissionais de comunicação social.

Violência Doméstica e os Media

1 – As Nações Unidas recomendam uma actuação dos Media no sentido de “desafiar as atitudes do público face à violência doméstica”. Para conseguir tal objectivo propõem que sejam “confrontadas atitudes que permitem a ocorrência de violência”, examinando:

- A ideologia da culpabilização da vítima
- O papel do consumo de álcool na violência doméstica
- As características e o comportamento da vítima e agressor e as escolhas que enfrentam
- Conceitos sobre vida em família, privilégios masculinos e privacidade
- A exploração da mulher na comunicação social
- A glorificação da violência nos media

As notícias ou programas sobre o assunto podem ensinar à mulher formas de se proteger, dado permitirem: saber mais sobre a questão; conhecer os serviços de apoio disponíveis e envolverem-se nos esforços da comunidade de combate ao fenómeno”.

2 – A resolução 52/86 da Assembleia Geral das Nações Unidas recomenda a aprovação de “códigos deontológicos e medidas de auto-regulamentação no que respeita à violência nos media, com vista a melhorar o respeito pelos direitos das mulheres e desencorajar a discriminação e os estereótipos”.

3 – O Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a Protecção das Mulheres Contra a Violência, na Recomen­dação Rec(2002)5, incita os estados membros a “encorajar os media a promover uma imagem não estereotipada da mulher e do homem, baseada no respeito pela pessoa humana e da sua dignidade e a evitar produções associando violência e sexo …”.

O mesmo texto “encoraja a elaboração de códigos de conduta para os profissionais dos media, tendo em conta a problemática da violência …”.

Informar para mudar, sete propostas

1 – Mulheres maltratadas: uma afronta aos direitos humanos
Os casos de violência doméstica dizem respeito a todos. Deixaram de ser assunto privado, passaram a ser considerados crime público, um atentado aos direitos humanos. Constituem uma chaga social generalizada que urge pôr em relevo. Não é um acaso de uma determinada família, de uma certa localidade ou de apenas um sector da sociedade.

2 – Uma nova imagem da mulher
A imagem da mulher deve ser preservada. Não deve ser representada como um ser “submisso” ou “objecto”. Há mulheres bem sucedidas nas mais diversas profissões ou nas instâncias políticas. A mulher é protagonista plena da sociedade e deve surgir como tal.

3 – O lugar da notícia
Um caso de violência doméstica não é notícia para a secção de “ocorrências” ou “crime”. Necessita de investigação e contextualização sobre o que é “violência doméstica”.

Os maus tratos radicam na consideração da inferioridade das mulheres e não devem surgir como um assunto ocasional. O seu tratamento cabe nas secções de sociedade e reclama um enquadramento sóbrio e rejeita o sensacionalismo ou formatos da chamada informação espectáculo.

4 – Distinguir o essencial do acessório
A informação não deve procurar o lado mórbido dos casos. Os testemunhos devem ser colhidos com o assentimento das vítimas e em estado emocional normal. Devem ser evitadas expressões que não tenham a ver com o essencial da questão, por exemplo referências à vida social ou amorosa da vítima, (exp: gostava de sair à noite; tinha amigos suspeitos) só desviam a atenção do essencial.

5 – Não criminalizar a vítima
As vítimas não devem ser apresentadas de modo a dar a aparência de criminalização, com distorção de voz, efeito mosaico, tiras sobre os olhos, disfarces. É preferível recorrer à voz “off”, ao contra-luz ou jogos de sombras. A sua dignidade deve ser preservada. A sua protecção deve ser garantida.

6 – Identificar o comportamento dos agressores
O comportamento dos agressores deve ser claramente exposto. A sua identificação pessoal obedece às mesmas regras e cautelas que outros casos sob condução judicial.

O que conta são os factos. Referir a sua conduta no trabalho ou com os amigos (exemplos: o problema eram os copos; era um tipo certinho; era incansável) nada acrescenta em relação aos crimes cometidos.

Deve ficar claro quem é o agressor e quem é a vítima.

7 – As fontes
Nos casos de violência doméstica há muitas fontes. As pessoas envolvidas, os vizinhos, a polícia, fontes judiciais (por exemplo: sentenças), instituições públicas, organizações não governamentais, associações de apoio às vítimas; entidades que procuram recuperar os agressores, etc.

Tudo deve ser recolhido e analisado de forma a dar uma informação correcta e com o devido enquadramento.

O Código Deontológico dos Jornalistas

O ponto 7 do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses é bastante claro sobre qual o tratamento a dar aos casos que envolvem uma especial sensibilidade, “o Jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais (…) assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor”.

Mais à frente, o ponto 9 estabelece que “o Jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas”.

Direitos Humanos e violência doméstica

A II Guerra Mundial e o genocídio ocorrido na Alemanha fizeram despertar o mundo para a necessidade de aprofundar a defesa da dignidade das pessoas. Foi o ponto de partida para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas, ONU, em 1948.

Na Declaração e documentos subsequentes foram estabelecidos os direitos que assistem às pessoas vítimas de violência doméstica, tida como ofensa aos mais elementares direitos humanos.


No âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adoptada pela Assembleia Geral em 1979, deu um grande passo ao proibir todas as formas de discriminação contra as mulheres, nelas se incluindo a violência.

Nova resolução específica da Assembleia Geral da ONU sobre violência doméstica foi aprovada em 1986 (resolução 40/36).

Em 1990 a Assembleia Geral adoptou a resolução 45/114, em que se incentivavam os estados membros a desenvolver e aplicar medidas, dentro e fora do sistema de justiça criminal, para dar resposta ao problema da violência doméstica.

Em Beijing, 1995, decorreu a 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, promovida pelas Nações Unidas que analisou as estratégias para “uma nova parceria entre as mulheres e os homens”.

O que é a violência doméstica?

Designa-se por “violência doméstica” todo o tipo de agressões que existem no seio de uma relação familiar.

Pode tomar a forma de violência psicológica e mental, que inclui agressões verbais, perseguição, clausura, privação de recursos físicos e financeiros, dificultação de contactos com familiares ou amigos.

Em muitos casos chega à agressão física, que pode ir das violações, empurrões, beliscões, pontapés, espancamentos, até à morte.

A violência doméstica atinge crianças, mulheres, idosas, deficientes ou doentes.

Também se registam outros casos de violência doméstica, como em casais homossexuais e em casais heterossexuais em que a vítima é o homem.

No entanto é nas mulheres que se concentram os esforços de erradicação da violência doméstica porque é sobre elas que recai a esmagadora maioria dos casos de violência.

Porquê centrar na Mulher?

As Nações Unidas, a União Europeia, os diversos países colocam o enfoque na resolução dos problemas de violência doméstica que atingem as mulheres por ser, de longe, a mais generalizada.

Historicamente é a violência contra as mulheres a que resulta de sociedades androcêntricas em quase todo o mundo, embora com diferentes cambiantes culturais, religiosos, sociais, etc.. Esta violência tem mesmo um certo grau de tolerância na nossa sociedade.

Yakin Erturk, relatora especial das Nações Unidas, relatora especial sobre “a violência contra as mulheres, causas e consequências” escreve que o fenómeno “está enraizado no sistema patriarcal no centro do qual reside o interesse de um grupo social em manter e controlar categorias socialmente aceitáveis de procriação da espécie”.

A violência doméstica no Mundo…

“No mundo faltam cerca de 60 milhões de mulheres, que foram abortadas por serem seres femininos, assassinadas quando bebés pelo mesmo motivo ou morreram vítimas de maus tratos”, segundo dados da Unicef.

A directora da Unicef para o sudeste asiático, Esthet Guluma, não tem dúvidas: “milhões de mulheres vivem numa prisão de pobreza, machismo e violência”.

A violência contra as mulheres não é punida em 79 países.

A violência doméstica na Europa…

A violência doméstica é um fenómeno sub-avaliado na União Europeia. As estimativas dizem que uma em cada cinco mulheres é agredida pelo parceiro masculino. Mas alguns estudos indicam que o número de vítimas de violência doméstica poderá atingir um terço de todas as mulheres da UE. Um dos problemas é que apenas cinco por cento dos casos chegam à polícia.
A violência doméstica foi o tema debatido num colóquio no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

Recorde-se que 25% de todos os crimes violentos registados na UE foram cometidos por um homem contra a sua mulher ou companheira.
Para inverter a situação, a eurodeputada sueca Maria Carlshamre está a preparar um relatório para fazer "um ponto da situação" na UE e pressionar a Comissão Europeia a estudar o fenómeno.

A segurança oferecida às mulheres que denunciam estes casos é outro dos problemas. Anna Zaborska, presidente da Comissão dos Direitos da Mulher, lembrou que o período que se segue a um pedido de divórcio ou à apresentação de uma queixa "é dos mais perigosos para a mulher". Por isso, considera serem necessárias mais leis "contra a violência conjugal" e mais monitorização. Além de "políticas leves", como acções de consciencialização, é preciso criar "políticas duras" que estabeleçam sanções mais duras para os agressores.

O Parlamento Europeu pretende que 2006 seja designado como Ano Europeu contra a violência sobre as mulheres.

O Conselho da Europa (Recomendação 1582/2002) indica que “a violência contra as mulheres no espaço doméstico é a maior causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos, ultrapassando o cancro, acidentes de viação e até a guerra”.

A Comissão Europeia anunciou em Março de 2005 a criação do Instituto para a Igualdade de Direitos e Oportunidades entre Homens e Mulheres, destinado a recolher e divulgar dados relativos às discrepâncias que ainda hoje prevalecem entre os dois géneros.

…e em Portugal, qual a dimensão do problema?

Mais de metade
Em 1995 a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova da Lisboa, em colaboração com a CIDM, Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher, realizou um inquérito acerca da violência contra as mulheres, apresentado num seminário em 2000. O estudo indicou que “52% das mulheres dizem ter sido vítimas de um ou mais actos de violência. Destas, 36% referem mais de um acto”. Manuel Lisboa, professor do Departamento de Sociologia da Faculdade citada, comenta que os valores referidos são “um número considerável, sobretudo se admitirmos alguma inibição por parte das mulheres em falar de actos mais íntimos”.

E qual a reacção aos actos de que são vítimas? “78% das mulheres limitam-se a ter aquilo a que se pode considerar uma reacção passiva, que vai deixando andar até um dia em que já não é possível deixar mais andar e há uma reacção violenta que pode acabar em homicídio; 21% dizem reagir violentamente e só 1% recorre aos tribunais ou à polícia”.

Manuel Lisboa explica assim o baixo número (78%) das mulheres que assumem uma atitude passiva: “As condicionantes económicas e familiares, relativas aos filhos, desempenham certamente um papel importante”, além de “factores socioculturais da dominação masculina”.

Mais do que comum
Em 1999 o Eurobarómetro perguntou aos portugueses se a violência doméstica era comum em Portugal. 80 por cento consideraram que era “comum ou muito comum” enquanto 14 por cento disseram “ser pouco comum ou inexistente”.
11765 queixas em 2000
Em 2000 a GNR e a PSP registaram 11765 ocorrências de violência doméstica, no âmbito do projecto INOVAR do Ministério da Administração Interna, que possibilitou às duas forças de segurança um tratamento diferenciado daquele tipo de crimes.

A aumentar
Em 2002, segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, APAV, foram denunciados em Portugal mais de 18 mil crimes de violência doméstica. Mais de 17 mil (93 por cento) foram contra mulheres. José Félix da Silva declarou que “as denúncias estão a aumentar porque as vítimas cada vez estão mais conscientes dos seus direitos”. Apesar disso “a grande maioria das vítimas continua a não apresentar queixa”. Segundo a APAV, em 2002 foram apresentadas apenas 6 mil queixas no total de 18 mil agressões, ou seja apenas 36 por cento das vítimas tiveram coragem para denunciar a agressão. O agressor é geralmente do sexo masculino (94,6 por cento), e o crime é quase sempre praticado na residência comum (75,3 por cento dos casos).

1 milhão
Em 14 de Fevereiro de 2005 foi revelado que 1 milhão de pessoas é afectada pela violência doméstica em Portugal, segundo uma estimativa da Direcção Geral de Saúde.

25% dos casais
Em 19 de Fevereiro de 2005 foi apresentado um estudo do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, coordenado por Carla Machado, que inquiriu 2391 famílias do norte do país. Concluiu-se que um quarto dos casais portugueses admite ter vivido uma situação de violência doméstica.

O que tem sido feito em Portugal?

Portugal foi um dos países que criaram provisões legais específicas para prevenir e punir a ocorrência de violência no seio da família.

Em 1991 foi aprovada a Lei 61/91 da Assembleia da República que “garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência”.

Também em 1999, a Lei 107/99 criou a “rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência”, regulamentada pelo Decreto-lei 323/2000, de 19 de Dezembro.

Ainda em 1999 foi aprovada a Lei 129/99 que “aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal”.

Em 2000 procedeu-se à alteração do Código Penal e do Código de Processo Penal, reforçando as medidas de protecção a pessoas vítimas de violência, através da Lei 7/2000, de 27 de Maio. Ao alterar o artigo 152º do Código Penal, vem considerar o crime de maus tratos como CRIME PÚBLICO
.

Em consequência da nova legislação foram aprovados documentos específicos. Em 1999 foi aprovado o I Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2000-2003). Actualmente está em vigor o II Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2003-2006).


§§§§§§§§§
CÓDIGO PENAL
ARTIGO 152º

(Maus tratos e infracção de regras de segurança)
1. Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, e:
a) Lhe infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente;
b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos; é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144º.

2. A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos.

3. A mesma pena é também aplicável a quem infligir a progenitor de descendente comum em 1º grau maus tratos físicos ou psíquicos.

4. A mesma pena é aplicável a quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde.

5. Se dos factos previstos nos números anteriores resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

6. Nos casos de maus tratos previstos nos nºs 2 e 3 do presente artigo, ao arguido pode ser aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de afastamento da residência desta, pelo período máximo de dois anos.

(redacção da Lei nº 7/2000 de 27/5)

A quem podem recorrer as vítimas?

Autoridades Policiais e Judiciais
O crime de maus tratos é hoje um crime público, pelo que qualquer pessoa que tenha conhecimento de um caso de violência doméstica pode apresentar denúncia do mesmo às diversas autoridades policiais e judiciais:

Guarda Nacional Republicana e Polícia de Segurança Pública
Uma mulher que se sinta ameaçada deve contactar com a GNR ou a PSP. Ambas as forças de segurança, que têm pessoal especialmente preparado para lidar com estas questões, têm quatro vectores no tratamento de vítimas de violência doméstica: atender, informar, proteger e encaminhar. A queixa pode ser apresentada em qualquer Esquadra da PSP ou Posto da GNR que, de acordo com a lei, vão encaminhar o caso para o Ministério Público.

Polícia Judiciária
As queixas podem ser igualmente apresentadas na Polícia Judiciária.

Instituto Nacional de Medicina Legal
Também é possível apresentar queixa nas Delegações do Instituto Nacional de Medicina Legal e nos Gabinetes médico-legais a funcionar continuamente em muitos hospitais.

Ministério Público (Tribunal de Comarca)
Apresentada uma queixa, cabe ao Ministério Público dar sequência ao processo e propor medidas de protecção da vítima, como o afastamento do agressor de casa da vítima e filhos.


Serviços Públicos e de Solidariedade Social de informação e apoio a vítimas de violência doméstica

CIDM - Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres
É responsável pelo Serviço de Informação às Vítimas de Violência Doméstica, que funciona 24h/7 dias por semana, através da linha gratuita 800202148.
A CIDM oferece ainda atendimento directo nos Gabinetes de Lisboa e Porto.

Segurança Social
É a instituição do Estado que recebe os casos comunicados pela PSP, GNR ou Tribunais.
Pode tratar directamente com as pessoas que necessitem de apoio ou encaminhá-las para instituições com quem colaboram.
A Segurança Social disponibiliza uma Linha Nacional de Emergência Social, através da linha gratuita 144, 24h/7 dias por semana.

Instituições privadas
Podem ser Organizações Não Governamentais (ONG´s), ou instituições particulares de solidariedade social (IPSS’s).

Estas instituições prestam serviços em várias áreas:
- Informação;
- Apoio psicológico, social e jurídico;
- Acolhimento temporário das mulheres e filhos em casas abrigo;
- Valorização pessoal e profissional;
- Organização de pedidos de indemnização, quando aplicável.

Violência de género durante a vida

Fase pré-natal
Agressões durante a gravidez (com efeitos emocionais e físicos na mulher; efeitos no parto); gravidez sob coacção; privação de alimentos; aborto selectivo por sexo.

Meninice
Infanticídio feminino; abuso físico e emocional; acesso diferente à alimentação e atenção médica entre meninos e meninas.

Infância
Casamentos combinados; mutilação genital, abuso sexual por familiares e estranhos; acesso a diferente alimentação e atenção médica por género; prostituição.

Adolescência
Violação e violação marital; assédio sexual; prostituição; sexo por coacção económica; abuso sexual no posto de trabalho.

Idade reprodutiva
Abuso por companheiros íntimos; violação marital; abuso e assassinato pelo dote; homicídio da companheira; abuso psicológico; abuso sexual no local de trabalho; assédio sexual; violação; abuso de mulheres com limitações físicas; discriminação sexual.

Idade avançada
Abuso e exploração de idosas.

Fases do ciclo de violência doméstica

1 – Fase de “acumulação de tensão”
A irritabilidade do homem vai aumentando sem razão compreensível e aparente para com a mulher. Intensificam-se as discussões por questões irrelevantes e as agressões verbais.

2 – Fase de “explosão violenta”
O homem descontrola-se e concretiza os actos violentos. Insulta e bate na companheira, atira e parte objectos, embebeda-se, permanece calado vários dias, agride emocionalmente. O homem trata de demonstrar a sua total superioridade em relação à mulher.

3 – Fase da “lua-de-mel”
Na verdade não é correcto chamar a este período de “lua-de-mel”, já que este bom momento pode não ser tão idílico: “ele” decide quando começa e quando é que termina. Pode ser o tempo mais difícil para a mulher, que se sente confusa e desorientada. Seria mais adequado chamar-lhe período de “manipulação afectiva” porque o agressor se sente contrariado depois de cometer o abuso. Neste momento de “desdobramento emocional”, sente remorsos pelas suas atitudes. Pede perdão, chora, promete mudar, ser amável, bom marido e bom pai. Esta atitude costuma ser convincente porque o agressor se sente culpado. E a vítima tende a acreditar numa mudança.

4 – Fase de “escalada e reinício do ciclo”
Uma vez perdoado pela companheira, começa de novo a fase da irritabilidade, a tensão aumenta e termina a fase relativamente agradável. Quando ela tenta exercer a autonomia recém-conquistada, ele sente de novo a perda de controlo sobre ela. Tem início uma nova discórdia e com ela o reiniciar do ciclo da violência.

As questões chave

1 – Como se reconhece um agressor?
Se inflige maus tratos físicos ou psicológicos não há dúvidas. Mas pode ser detectado muito antes de chegar a esta fase. São homens, fundamentalmente possessivos que exercem muito controlo sobre a mulher: se entra, se sai; com quem vai; como veste; quanto dinheiro gasta; se faz ou recebe chamadas – seja de amigos ou familiares – e que a desvaloriza, desautoriza ou insulta em público. E inclusivamente antes, na fase de namoro, há sintomas que podem ser um alerta para a mulher: antecedentes de condutas violentas com outras mulheres, familiares ou amigos; acessos de cólera repentinos e sem sentido; atitudes de crueldade (por exemplo com animais); falta de arrependimento ante os seus próprios erros, uma forma de pensar excessivamente rígida, convencido de que está sempre do lado da razão…

2 – Sou vítima de maus tratos, que devo fazer?
Procurar informação e aconselhamento num serviço especializado, como é o caso do Serviço de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (linha gratuita 800202148, que funciona 24h/7 dias por semana), que pode indicar os apoio disponíveis na área de residência, os cuidados de segurança para a sua protecção e dos seus filhos e informação fiável sobre a forma de apresentar queixa às Autoridades.

3 – Bate-me mas depois pede-me perdão, jura que me ama e que vai mudar. É possível?
Não. As promessas de mudança são mais uma fase do ciclo da violência. Um homem bate, maltrata, pede perdão, inclusivamente oferece prendas. Fica calmo um certo tempo, depois repete os maus tratos e volta a pedir perdão. De cada vez as temporadas tranquilas são mais curtas. Regra geral, os agressores não mudam os seus comportamentos violentos.

4 – Será minha a culpa?
Não, de modo nenhum! Muitas vítimas culpabilizam-se a si próprias depois de episódios de agressões físicas e psíquicas. Esse sentimento de culpa provém da estrutura patriarcal: o homem é quem exerce a autoridade na família e a mulher sente culpa se não aceitar este poder violento. Mas os maus tratos não têm qualquer justificação. O único culpado da violência é o agressor, nunca a vítima.

5 – O que é o síndroma da dependência afectiva?
É um nexo emocional que impede a vítima de se separar do seu agressor. É muito frequente em mulheres maltratadas que vivem isoladas porque o agressor não as deixa relacionar-se com ninguém. Ele é todo o seu mundo, é o pai dos seus filhos, ela continua a acreditar que o ama. Uma espécie de síndroma de Estocolmo que a leva a justificar e perdoar continuamente as agressões e vexames do seu agressor e lhe paralisa a capacidade de agir e romper com a relação violenta.

6 – Sou estrangeira, maltratada e sem papéis?
Não deve ter medo de denunciar a situação. As Autoridades portuguesas prestam atenção a qualquer pessoa que precise, seja qual for a sua situação legal.

7 – É possível reabilitar um agressor?
É possível, segundo especialistas que trabalham em terapias de reabilitação de agressores. Mas o êxito da reabilitação requer várias condições: que o agressor se reconheça como tal, que tome consciência dos efeitos do seu comportamento e mostre motivação para mudar a sua atitude.
Em muitos casos a reabilitação é impossível porque o agressor perde toda a capacidade de racionalizar os seus comportamentos e de se responsabilizar por eles, tornando-se num potencial homicida
de grande periculosidade, que persegue a mulher mesmo após muitos anos de separação ou divórcio.
A reabilitação do agressor deve ser acompanhado de um programa paralelo de protecção da vítima, que por vezes obriga à sua mudança para outra cidade ou país.

8 – O que falha no sistema de protecção das vítimas?
A própria protecção das vítimas. Em Espanha, muitos agressores que tinham ordem de afastamento ocorreram em incumprimento porque as vítimas não tinham protecção real. Em Portugal a medida de afastamento do agressor é aplicada de forma incipiente.

9 – O que se pode fazer para prevenir a violência doméstica?
Mudar os estereótipos e valores vigentes. A violência é uma realidade social e cultural: ao longo da história – e ainda hoje – o homem foi identificado com a força e a mulher com a submissão. Mudar os estereótipos actuais supõe uma intervenção de longo prazo, a começar na educação das crianças e jovens como forma de investimento social na criação de uma nova mentalidade, de respeito pela igualdade.

10 – A apresentação de casos de violência doméstica nos meios de comunicação provoca mimetismo na conduta dos agressores?
Os especialistas entendem que não. Dizem que os meios de comunicação social desempenham um papel muito importante ao evidenciar a gravidade de um problema que antes não ultrapassava o âmbito familiar. Os meios de comunicação social servem para consciencializar a sociedade sobre o tema e para que as vítimas conheçam os recursos que têm ao seu alcance.
É porém necessário um grande rigor na transmissão da informação/notícia.

(Adaptado de El Mundo)

Ficha técnica

Violência Doméstica
manual para os media / informar para mudar

Coordenação: Teresa Rosmaninho
Consultor: Ivo Caldeira

iniciativa originalmente desenvolvida no âmbito do projecto
"Estrada Larga - caminhos para famílias sem violência",
promovido pelo Clube Soroptimist do Porto Invicta,
aprovado pela Comissão para a Igualdade epara os Direitos das Mulheres,
co-financiado pela União Europeia / Fundo Social Europeu
e pelo Estado Português (POEFDS medida 4.4)
(2003/10/01 e 2005/03/31)